Sabes, costumava vir aqui quase todos os dias. Subia as longas escadas até ao topo do prédio, e, lá em cima, sobre os joelhos colocava este caderno onde costumava escrever para ti. De caneta na mão e muitas das vezes de sorriso no rosto. Outras, escrevia com um rosto trancado e um olhar cheio de orgulho. Quando ainda tinha algum controlo sobre esse orgulho, antes de te fazer personagem principal de mais uma história minha. Costumava escrever linhas e linhas de pormenores que não interessam a ninguém. De tiques que ninguém repara e manias que ninguém tem. Escrevia até me doerem os dedos e as bochechas de tanto rir. Escrevia quando chovia e quando fazia sol, porque o tema principal nunca faltava,o amor nunca faltava. E foi assim até um dia. Foi assim até ao dia em que me mandaste embora, como já havias feito tantas vezes, depois de mais uma discussão acentuada. E sabes, poderia ter sido só mais uma ida com um regresso esperado se a minha alma não tivesse chegado ao limite. Se ela não tivesse pensado na sua própria felicidade e naquilo que chamam de amor próprio.Se ela não tivesse mandado fora todas as recordações daquela personagem, poderia mesmo ter sido como tantas vezes fora, porque amor não faltava, só faltava era o gosto de amar, e esse tanto faltou que acabou por ganhar. E como sempre ouvi dizer, depois da tempestade vem a bonança, e oh, ela veio. Ela e o controlo que havia perdido sobre o orgulho. E a vontade de pegar no caderninho também. A única coisa que não voltou foi o amor que ninguém compreendia.